A Receita Federal definiu que herdeiros devem pagar Imposto de Renda (IRPF) sobre rendimentos oriundos de trust no exterior. O entendimento está na Solução de Consulta nº 41, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). É a primeira resposta do órgão sobre o assunto.
O caso analisado é de uma herdeira que passou a receber valores de trust nas Bahamas, após a morte do marido. A resposta, porém, foi considerada confusa por advogados, pela falta de detalhes. Não foi informado se ela recebeu rendimentos ou todo o valor depositado no exterior.
O trust consiste em um contrato privado, lastreado em confiança, em que o instituidor (chamado de settlor ou grantor) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém — o trustee — que assume a obrigação de administrá-los em benefício do próprio instituidor ou de pessoas por ele indicadas, geralmente herdeiros.
Esse tipo de contrato é comum no exterior e usado por algumas famílias para manter investimentos fora do país. Ele oferece algumas vantagens, como a possibilidade de só disponibilizar o dinheiro para os herdeiros perante algumas condições preestabelecidas — idade, decisões empresariais, pagamento parcial, entre outros.
Na Solução de Consulta, a Receita afirma que há incidência do imposto com base na Constituição. O artigo 153, acrescenta o órgão, definiu de forma abrangente a competência da União de instituir tributo sobre a renda e proventos de qualquer natureza e o Código Tributário Nacional detalhou as hipóteses para sua incidência, fixando inclusive que não depende da denominação da receita, localização ou nacionalidade da fonte.
O órgão ainda lembra que a Lei nº 7.713, de 1988, fixa que a pessoa que receber de fontes situadas no exterior valores que não foram tributados na fonte no país fica sujeita ao Imposto de Renda. Em resposta ao Valor, a Receita destaca que, na ausência de especificação da natureza dos rendimentos recebidos do trust na consulta, aplicou a regra geral da tributação dos rendimentos oriundos do exterior.
Para Thaís Veiga Shingai, advogada no escritório Mannrich e Vasconcelos, a solução de consulta está muito genérica, com poucos elementos do caso concreto, o que dificulta o entendimento. Quando a ementa afirma que os rendimentos provenientes no exterior recebidos por pessoa física ficam sujeitos ao Imposto de Renda, traz entendimento conhecido pelos tributaristas, mas não deixa claro se ela não se refere ao recebimento de parte do patrimônio. “O que me preocupa é que a solução de consulta faz parecer que qualquer movimentação envolvendo trust gera tributação no Brasil”, afirma.
Existem muitos tipos de trust, segundo o advogado Hermano Barbosa, do BMA Advogados. Caso a solução de consulta permita tributar o principal, seria inconstitucional, acrescenta. Para ele, não é tão comum ter um trust que paga rendimentos, é mais comum que, em caso de morte, o patrimônio total seja transferido ao beneficiário.
“A Receita nunca havia se pronunciado sobre qual seria o tratamento aplicado a heranças recebidas por meio de trust localizado no exterior”, afirma Barbosa. Por isso, diz, com base na interpretação de leis tributárias, os contribuintes consideravam que não haveria tributação com a transferência do patrimônio do trust, assim como a herança não é tributada pelo IR.
Ainda existe, de acordo com o advogado, uma discussão judicial sobre a possibilidade de Estados tributarem heranças e doações oriundos de trust. Mas para isso, acrescenta, seria necessária a edição de uma lei complementar.
Por: Beatriz Olivon.
FONTE: Valor Econômico – Associação Paulista de Estudos Tributários – publicado em 08 de abril de 2020.