No Rio Grande do Sul, postos poderão exigir diferença em dinheiro ou vender créditos
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu, em 2016, o direito das empresas ao ressarcimento do ICMS-Substituição Tributária (ST) pago a mais não finalizou a discussão. No Rio Grande do Sul, empresas questionaram na Justiça norma editada pelo Estado após a decisão e conquistaram dois importantes precedentes.
Um grupo de mais de dois mil postos de combustíveis obteve o direito de receber a restituição do ICMS-ST em dinheiro ou vender créditos a terceiros. Já uma concessionária de veículos conseguiu a primeira decisão de mérito da qual se tem notícia que a desobriga de complementar o valor do imposto, em caso de recolhimento a menor.
Segundo a decisão do Supremo, a restituição é devida pelos Estados quando o produto for vendido por um preço menor do que o estipulado para o recolhimento do ICMS-ST. Com o entendimento, Estados como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul editaram normas para restituir as empresas com créditos e começar a cobrar a diferença — quando o preço ao consumidor for maior do que o usado para o cálculo do tributo.
Como a restituição tem sido feita por meio de créditos, quem não tem débitos para fazer a compensação tem recorrido à Justiça. A situação é comum entre exportadores, por exemplo. Eles pedem para receber em dinheiro ou vender os créditos a outras empresas.
Na 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), os desembargadores entenderam que a restituição pode ser feita “em pecúnia ou mediante transferência dos créditos”. Prevaleceu o voto do presidente da Corte, desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, que analisou o Decreto Estadual nº 54.308, de 2018.
A decisão (processo nº 70080559354) beneficia o Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Estado do Rio Grande do Sul (Sulpetro), que reúne aproximadamente 2,7 mil postos do Estado. Segundo o advogado Thiago Tobias Bezerra, do escritório Tobias Adv e representante do sindicato no processo, como o estoque de combustíveis não dura mais do que uma semana nos postos, o setor é gerador de créditos do tributo e os acumula.
Já uma empresa de comércio de veículos gaúcha conseguiu na 22ª Câmara Cível do TJ-RS decisão que a libera de pagar a complementação de ICMS-ST. Os desembargadores negaram recurso de apelação do Estado, mantendo o entendimento da primeira instância. “Sem razão o Estado do Rio Grande do Sul quando alega ser devida a complementação do imposto acaso a venda tenha se dado em valor superior à base presumida, notadamente porque no julgamento do RE 593849 [STF] não houve debruçamento sobre tal hipótese”, diz o acórdão (processo nº 70079755724).
Por nota, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul diz estudar os casos e que há também julgado favorável à complementação de ICMS-ST no TJ-RS (processo nº 70080368475).
O advogado Rafael Nichele, da banca de mesmo nome, lembra, porém, que a decisão do Supremo, de 2016, nada falou sobre complementação de ICMS-ST. “A cobrança é uma forma de os governos tentarem reverter os prejuízos causados pela decisão, diante do atual cenário econômico dos Estados”, diz.
Segundo Anderson Trautman Cardoso, advogado do Souto Correa e representante da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), as empresas gaúchas têm procurado a Justiça porque o Decreto nº 54.308, de 2018, criou uma burocracia enorme para a restituição de ICMS-ST. A mesma situação, acrescenta, é enfrentada em outros Estados. “Vários grandes varejistas são extremamente afetados. Enfrentam grande dificuldade para apurar o valor a receber”, diz.
Ao menos no Rio Grande do Sul há chances de mudanças, segundo o advogado. Na quarta-feira, Cardoso participou de audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado sobre o tema. “Foi criado um grupo de trabalho formado por deputados, representantes da Fazenda e entidades empresariais para mediar a revisão do decreto.”
Em Minas Gerais, para evitar novos embates judiciais, o governo editou em fevereiro o Decreto nº 47.621. A norma permite que os contribuintes optem, anualmente, por abrir mão do ressarcimento e, ao mesmo tempo, deixar de ter pagar eventual complementação de ICMS-ST. Na semana passada, por meio do Comunicado nº 3, a Superintendência de Tributação mineira prorrogou o prazo para essa opção para 15 de maio, com efeito retroativo a 1º de março.
De acordo com Hugo Reis Dias, do HRD Advogados, a opção é importante porque algumas empresas desistiram da restituição por causa da burocracia contábil. “Em Minas só é possível obter a restituição via créditos de ICMS e, em alguns casos, eles nunca seriam utilizados”, diz.
Dias acrescenta que foram colocados muitos empecilhos à restituição. “É o mesmo que não restituir”, afirma. Por isso, entidades empresariais teriam lutado pela alternativa instituída pelo Decreto nº 47.621. “Agora, só clientes com altos valores a restituir e que topam a burocracia vão ficar no regime da restituição/complementação.”
Tanto a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul como a de Minas Gerais disseram que ainda não conseguem mensurar quanto podem receber de complementação de ICMS-ST.
Já a Secretaria da Fazenda de Santa Catarina afirma por nota que, segundo análises preliminares, “os valores a complementar serão superiores aos valores a restituir”. Diz ainda respeitar o princípio constitucional da anterioridade ao cobrar a complementação, criada por meio da Lei nº 17.538, de 2018, só em relação às vendas realizadas a partir deste ano.
Em São Paulo, a Secretaria da Fazenda e Planejamento também não tem a previsão financeira da complementação a receber. Mas defende que a decisão do Supremo admite a cobrança. Por outro lado, diz estudar a adoção da opção oferecida em Minas Gerais. “É uma alternativa que será avaliada adequadamente pelas equipes técnicas do Fisco paulista”, afirma por meio de nota.
Por Mauro Negruni.
FONTE: Valor Econômico – Por Clipping – Dia a Dia Tributário – publicado em 2 de maio de 2019.