Está em julgamento, no plenário virtual da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, pedido de Habeas Corpus coletivo em nome de todas as pessoas que estão presas em estabelecimento penal federal há mais de dois anos. A permanência indefinida de pessoas no sistema penitenciário federal é questão recorrente para a Defensoria Pública da União, autora da ação. O caso é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Quando a DPU apresentou a ação, em 2017, existiam 570 presos federais, dos quais 121 estavam detidos há mais de dois anos. Mais recentemente, dia 15 de fevereiro deste ano, a DPU apresentou nova manifestação ao relator para pedir que o caso fosse levado ao plenário físico. Dentre os argumentos, o de que as recentes decisões do governo federal têm tornado o sistema mais rígido e restringido visitas.
Os presos federais, com algumas exceções, não têm acesso a visita íntima e, após a publicação de portaria pelo ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, ficou banido o contato físico entre detentos e visitantes nas cinco penitenciárias federais. Agora, os encontros só podem ocorrer no parlatório, com um vidro separando os presos de familiares e amigos , que só se comunicarão por meio de interfone. Poderão ocorrer visitas também por videoconferência, segundo as novas regras. A Portaria nº 157, de 2019, excetua apenas os casos de réu colaborador, delator premiado.
Nesse contexto, a DPU alegou que não seria adequado que a decisão do caso fosse tomada em ambiente virtual, que prejudica o debate. O recurso foi apresentado três dias depois da publicação da portaria de Moro. Alexandre de Moraes, que já havia negado a liminar para o Habeas Corpus, negou também este pedido e deu abertura ao julgamento em plenário virtual, que deve ser concluído até a próxima sexta-feira (1°/3).
O ministro considerou o pleito genérico por pedir que a corte o conceda com efeitos erga omnes e vinculantes. “Impossível tal pretensão, pois o Habeas Corpus exige a demonstração de constrangimento ilegal que implique coação ou iminência direta de coação à liberdade de ir e vir, não podendo ser utilizado como substituto de ação direta de inconstitucionalidade ou arguição descumprimento de prefeito fundamental em que se pretende conceder uma verdadeira interpretação conforme a Constituição em relação a Lei 11.671/2008, independentemente da decisão judicial motiva em cada um dos casos concretos que motivaram a transferência e manutenção dos presos nos presídios federais de segurança máxima”, apontou o ministro.
Ele afirma ainda que a lei não estabelece nenhum prazo fatal, mas autoriza sucessivas renovações da manutenção dos detentos no recolhimento em estabelecimentos penais federais de segurança máxima sempre que, presentes os requisitos, “o interesse da segurança pública de toda sociedade permaneça intocável, e desde que haja nova decisão fundamentada pelo juiz competente para cada uma das novas renovações de prazos não superiores, individualmente, a 360 dias”. O Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento de que a prorrogação pode se dar por períodos maiores.
Dignidade da pessoa
Tanto por entender em sentido diverso, de que o prazo seria prorrogável apenas uma vez, como por analisar que o sistema se torna mais rigoroso com a mudança promovida pelo ministro da Justiça, a DPU afirma que o debate aprofundado e a possibilidade de sustentação oral seriam importantes. Defende, ainda, que é possível nomear todos os presos que seriam afetados pelo HC, embora não tenham sido nominalmente citados.
“Observa-se que a deficiência estatal, quer pela péssima estrutura das penitenciárias estaduais, quer pela dificuldade em lidar com organizações criminosas, faz o argumento da segurança e ordem pública sobrepujar os princípios da dignidade da pessoa humana e da função ressocializadora da pena. Assim, é perfeitamente possível manter um preso no SPF por período superior a 720 dias, se a lógica adotada não considerar que a ressocialização jamais será alcançada se os direitos individuais do preso não forem respeitados”, diz o HC.
O coordenador da DPU junto ao STF, Gustavo Ribeiro, e a defensora pública federal Tatiana Melo Aragão Bianchini, que atuam no caso, argumentam que a única interpretação razoável para o prazo fixado na Lei nº 11.671/08 é de que o período de um ano no presídio federal pode ser renovado apenas uma vez.
“Acreditamos que subverte a lógica interpretativa admitir que a lei que fixa o prazo de permanência em 360 (trezentos e sessenta) dias permite sucessivas renovações, o que seria o mesmo que dizer que prazo não há. Tal entendimento torna letra morta o disposto no caput e na primeira parte do §1º do artigo 10 da Lei nº 11.671/08”, dizem.
O dispositivo citado afirma que “a inclusão de preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima será excepcional e por prazo determinado. O período de permanência não poderá ser superior a 360 (trezentos e sessenta) dias, renovável, excepcionalmente, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência.”
Para a DPU também é ponto sensível a questão do tratamento penitenciário. “As medidas rigorosas e extremamente restritivas impostas aos que estão inseridos em um presídio federal só podem ser admitidas quando aplicadas por períodos curtos de tempo, sob pena de ofenderem princípios básicos que devem reger a execução da pena”, apontam os dois defensores.
Eles destacam, ainda que parcela significativa das pessoas submetidas ao sistema federal faz uso de algum tipo de medicamento psiquiátrico e, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 12,70% dos custodiados já tentaram o suicídio. Gustavo Ribeiro e Tatiana Bianchini entendem que, acaso se admita que o desconto da pena pode se dar por longa data em presídio federal, os benefícios previstos na Lei de Execução Penal devem ser regularmente aplicados.
“As pessoas em situação de privação de liberdade no âmbito do sistema penitenciário federal em regra permanecem recolhidas no interior de suas celas — individuais, por 22 horas diárias. O trabalho é inexistente nos cinco presídios em atividade. Sobre este ponto, destacamos que as penitenciárias federais sequer contam com espaço físico em suas plantas destinado a oficinas de trabalho — a corroborar a argumentação no sentido de que o sistema não foi pensado para que nele se dê o desconto prolongado de penas.”
As penitenciárias federais estão em Mossoró (RN), Porto Velho (RO), Campo Grande (MS), Catanduvas (PR) e Brasília (DF), sendo esta última posterior à impetração. Elas reúnem alguns dos presos mais perigosos do Brasil, como líderes de organizações criminosas, como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar e, neste mês, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola.
Por Ana Pompeu.
FONTE: Revista Consultor Jurídico, publicado em 25 de fevereiro de 2019.